O Método Socrático

Sócrates (469-399 a.C.) – o filósofo descalço, nasceu em Atenas, filho de um modesto escultor, Sofronisco, e de uma parteira chamada Fenareta. Transmitia seus conhecimentos em ginásios, praças, ruas, no mercado e em outros lugares públicos; ao contrário de outros filósofos de sua época, não fundou nenhuma escola nem escreveu livro algum.

Por ser muito pobre, inicialmente Sócrates adotou a profissão do pai, e com certo desgosto, desempenhou algumas funções públicas em benefício da cidade. Entretanto, a verdadeira missão de Sócrates era indelevelmente outra, a de educar os homens, principalmente a juventude, missão esta que, a própria consciência lhe impôs como sendo sagrada e insubstituível.

Em fevereiro de 399, Antes da Era Comum, Sócrates aos 70 anos, foi condenado à morte pelo Tribunal democrático dos 501 sob a alegação de não venerar os deuses da pátria e de corromper a juventude com suas ideias nada ortodoxas. Quando instado a tomar a cicuta (veneno letal), bebeu-a serena e imperturbavelmente, morrendo de forma tranquila e espontânea como o apagar de uma vela.

A Morte de Sócrates. Jacques-Louis David, 1787.

A Virtude

O reconhecimento do seu destino como mártir da filosofia ocidental é, fundamentalmente pelo fato de que Sócrates morreu por fidelidade a um princípio, e não por idolatrar uma ideia.

Devemos a Sócrates, a acepção moderna do vocábulo virtude, pois pelo que sabemos, foi o primeiro a afirmar que a virtude é a qualidade no homem que o conduz ao conhecimento e a realização do bem. Mas Sócrates não foi um metafísico teórico, é reconhecido justamente por ser um homem de ação, da práxis comportamental – da arte de viver. Assim, ao invés de teorizar sobre a virtude, ele a exercitou.

Ao ser condenado à morte, afirmava Sócrates:

“Eu predigo-vos portanto, a vós juízes, que me fazeis morrer, que tereis de sofrer, logo após a minha morte, um castigo muito mais penoso, por Zeus, que aquele que me infligis matando-me. Acabais de condenar-me na esperança de ficardes livres de dar contas de vossas vidas; ora é exatamente o contrário que vos acontecerá, asseguro-vos (…) Pois se vós pensardes que matando as pessoas, impedireis que vos reprovem por viverem mal, estais em erro. Esta forma de se desembaraçarem daqueles que criticam não é nem muito eficaz nem muito honrosa.”

“Mas também vós, ó juízes deveis ter boa esperança em relação à morte, e considerar esta única verdade: que não é possível haver algum mal para um homem de bem, nem durante esta vida nem depois de morto; (…) Quando os meus filhinhos ficarem adultos, puni-os, ó cidadãos, atormentai-os do mesmo modo que eu vos atormentei, quando vos parecer que eles cuidam mais das riquezas ou de outras coisas que da virtude.”

Certa vez, Querofonte, um amigo de Sócrates, perguntou à Pitonisa de Delfos: “Qual é o homem mais sábio da Grécia?” O oráculo sem demora, respondeu: “Sócrates de Atenas!”

O Oráculo. Camillo Miola, 1880.

Ao ser informado da resposta oracular, Sócrates diz que somente Deus é sábio, e que a mensagem recebida em Delfos, utiliza-se de seu nome para exemplificar o homem que, ao reconhecer a sua própria ignorância, abre-se ao verdadeiro conhecimento! Somente o homem que sabe que não sabe, efetivamente sabe que precisa saber o que não sabe…

O método de Sócrates

Gonzague Truc (1958), em sua obra intitulada História da Filosofia, relata a espantosa e admirável originalidade do método socrático, nestes termos:

“… anda pelas ruas e pelos lugares públicos, informando-se, interrogando e examinando os outros para melhor examinar-se a si mesmo. Aparenta não saber nada e receber a sua instrução dos seres e das coisas, ao acaso. E dessa inquirição familiar, descendo a pormenores comezinhos, deduz as mais justas concepções e faz brotar luzes deslumbrantes.”

O método socrático é um processo dialético e dinâmico, constituído de duas fases em sequência, a ironia e a maiêutica (ou maiêutica socrática).

A ironia, constitui-se na fase em que o interlocutor à frente de Sócrates era submetido a uma série de perguntas sucessivas, muito bem articuladas e engenhosamente concatenadas, até que entrasse em contradição e reconhecesse os erros e a falsidade de todos seus pretensos conhecimentos. Muitos se sentiam desgraçadamente confusos, vazios e nus; e vendo caírem todas as muletas da antiga segurança baseada – até então – na vaidade e numa falsa sabedoria, não suportavam o choque, encolerizando-se e enfurecendo-se contra o filósofo… Pelo menos, alguns daqueles que o condenaram passaram por essa dolorosa experiência.

Mas, se o interlocutor era sincero consigo mesmo e reconhecia a própria ignorância, Sócrates então o fazia passar pela maiêutica, estimulando-o à reflexão e à autodescoberta. Através de contínuas indagações, Sócrates criava no discípulo uma espécie de vórtice de sucção, por meio do qual, a sabedoria inata ou a luz divina dentro do homem vinha gradativamente fluindo, revelando-se de dentro para fora! Isto é a maiêutica, a obstetrícia socrática, em virtude da qual Sócrates trazia a essência à luz, como um médico de almas, um parteiro do Espírito.

O educador

Sócrates foi, acima de tudo, um educador.

Ele parte do princípio de que o discípulo, como todo e qualquer homem, é dotado do livre arbítrio, e o livre arbítrio é uma barreira inexpugnável sem nenhuma abertura de fora para dentro e, que, por isso mesmo, só pode ser vencida de dentro para fora… Sócrates sabia que somente o homem educado é livre, e só é livre à medida que se educa, à medida que deixa de ser escravo de suas próprias paixões, que deixa de ser escravo das circunstâncias, que deixa de ser escravo do mundo!

A rigor, nenhum mestre pode educar um discípulo, é o discípulo que pode educar-se a si mesmo. Sócrates ensinava o caminho… para que o discípulo pudesse caminhar!

Alcibíades sendo ensinado por Sócrates. François-André Vincent, 1776.

Sócrates, propriamente, não ensina, ele educa; mas, indiretamente. Ele não se preocupa nem se envolve em demasia com o ter e o fazer quantitativos do mundo, está interessado no desenvolvimento do eterno ser do homem, exatamente onde ele habita.

Sócrates descobriu e manifestou em si mesmo, a eterna luz que ilumina todo homem que vem a este mundo, e por isso, dedicou sua vida inteira a criar e manter as condições necessárias para que cada um de seus discípulos pudesse igualmente exercitar o autoconhecimento, a autolibertação e a autorrealização de si mesmo.

A palavra educar (educere, em latim), que significa eduzir, tirar, desenvolver; mostra-nos exatamente isso: educar é arrancar o homem de dentro de si mesmo, fazendo com que o seu Eu, seu Cristo, sua Luz Interna e Eterna, flua naturalmente de dentro para fora, iluminando ou lucificando todo o seu ego: etéreo, emocional, mental e físico. Foi o que Sócrates fez ao tentar ajudar todos os homens que passaram pela sua presença, todos que encontrou em seu caminho, mesmo ao preço da própria vida.

Sócrates é um grande educador, mas só educa porque é educado, porque se autoeducou. E não educa pelo dizer ou fazer, ele educa pela própria presença; por seu magnetismo de amor incondicional!

Quando alguns doutrinadores, por ocasião, começaram a conhecer mais de perto a genialidade de Sócrates, exclamaram, entusiasmados:

“Sócrates foi cristão, quatrocentos anos antes Cristo!”

Todavia, erraram nas palavras.

A bem da verdade, deveriam ter dito: Sócrates foi crístico, quatrocentos anos antes de Jesus de Nazaré… pois, realmente ele foi.

Contudo, em Sócrates, inclusive a morte é pedagogia… como arte de bem morrer!

 

Marcus Vinicius C. de Almeida


Referências:

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. A fenomenologia do espírito. São Paulo: Abril Cultural, 1974.

HIRSCHBERGER, Johannes. História da filosofia na antiguidade. 2. ed. São Paulo: Herder, 1969.

OLIVEIRA, Nelci Silvério de. A filosofia, os filósofos e a incessante busca da verdade. São Paulo: Editora do Conhecimento, 2015.

PLATÃO. Apologia de Sócrates. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. 11. ed. São Paulo: Paulus, 1990.

ROHDEN, Huberto. O pensamento filosófico da antiguidade. São Paulo: Martin Claret, 2008.

TRUC, Gonzague. História da filosofia. Rio de Janeiro: Globo, 1958.

2 Comentários

  1. Osvaldo de Almeida Júnior

    Não posso deixar de comentar, é um privilégio ler e me deleitar com este magnífico texto. Aprendi a admirar e a respeitar o Marcus Vinícius pela dedicação, clareza e amor que contém todos os seus trabalhos. Um educador sem dúvida, tira os homens dentro deles mesmos, indica caminhos e desperta para busca de conhecimento quem se deleita com seu trabalho. Tudo que ele faz, faz com amor, carinho e muita transpiração. Mergulhar nos seus textos não é Mergulhar no vazio é Mergulhar em conhecimentos sólidos é aprender, é despertar. Deus te abençõe e ilumine sempre. Parabéns e forte abraço.

    • Marcus Vinicius

      Muito obrigado pelas gentis palavras, e carinho!
      A semente lançada é sempre esperançar: na ação, no amor e na fraternidade Universal.

      Luz, Paz e um Grande Abraço!

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